Esta história aconteceu algures, há muitas centenas de anos, numa região
do interior da China.
O senhor Li Chan estava desgostoso com a sua
vida, monótona, sem perspectivas.
Resolveu deixar a sua aldeia, a sua casa, o seu
jardim, a sua esposa e os seus filhos.
E assim fez.
Com um pequeno farnel, um cantil de água, e uma
manta apenas, partiu estrada fora. Foi andando, andando, até que deixou de
ouvir vozes e sons conhecidos, só tendo por companhia o ruído dos próprios
passos,
Caminhava sem pressas e sem voltar o rosto para
trás.
A estrada acabava numa ponte, e a meio dela sentado
no chão estava um velho homem.
O senhor Li inclinou levemente a cabeça, e já ia
seguir sem se deter quando a voz do ancião o obrigou a parar:
–Rapaz, aonde vais tão apressado que nem me desejas
bom dia? Um dedo de prosa não se nega a ninguém, não achas?
–Desculpe "avozinho", eu ia a conversar
comigo mesmo... Mal dei pelo senhor.
Só vou a olhar em frente.
O velho sorriu e voltou a perguntar:
–E o que vês tu em frente, se estás a olhar para
dentro de ti, se vais a falar só contigo?
–Nada, na verdade ainda não vejo nada de diferente,
mas devem haver outras coisas que não a minha aldeia, e a minha estúpida vida! –
respondeu-lhe impaciente – Deixei tudo para trás e vou à procura de algo novo,
algo que me desperte novamente o desejo de viver. Irei andando até encontrar!
–Se quiseres eu mostro-te.
O senhor Li, que já se preparava para retomar a sua
caminhada, parou e meio brusco e pergunta por sua vez:
–Oh bom velho, o que poderá o senhor me mostrar se
o vejo aí sentado a meio duma ponte, e nem sei se vai de saída ou se está a
chegar?!
–Acredita em mim, vou mostrar-te. Faz exatamente o
que eu fizer, e depois me dirás se tenho ou não razão na novidade que então
verás.
Isto dizendo, o velho levantou-se com surpreendente
agilidade, e fazendo sinal ao outro para se livrar de seus magros carregos, postou-se
a seu lado, ambos de costas para a aldeia.
–Prepara-te. Cerra os olhos.Vamos respirar fundo e
depois nos curvar até o cabelo quase tocar o chão, deixando o rosto ficar preso
pelas orelhas entre nossas pernas. Sustem a respiração. Só quando sentires o
calor do sangue a iluminar tua mente poderás abrir os olhos e respirar. Então
verás!
Não querendo mais delongas e para se livrar da
conversa, Li resolveu não o contrariar e fingindo que acreditava fez tal qual o
outro mandara.
Se alguém por ali tivesse passado, o que não
aconteceu, certamente iria rir de tão insólito espetáculo. Dois homens, um
velho e um outro que nem os cabelos brancos ainda tinha, postados a meio de uma
ponte, dobrados sobre si mesmos, olhando por entre as pernas não para a frente
mas antes para trás, com os rostos vermelhos e os olhos quase a saltar.
O senhor Li, quando abriu os olhos, maravilhou-se
com as cores do céu, com os muitos verdes da vegetação que ladeava uma pequena
mas encantadora aldeia. Surpreendeu-se com o canto das aves, de que só se
lembrava ter ouvido na sua infância. E ouviu o regato que ia cantando de pedra
em pedra bem ali ao lado.
Até que as lágrimas lhe correram rosto a cima, também
elas em sentido contrário.
Não agüentando mais a respiração suspensa, endireitou-se
e sorvendo o ar deu meia volta procurando a visão que tanto o encantara.
Viu então como era linda a sua aldeia, e lá ao
fundo a sua casa, e lá dentro a sua família, os tesouros da sua vida que
estivera prestes a abandonar.
Quis então agradecer ao sábio velho que lhe
ensinara a olhar a vida por outro ponto de vista, mas não encontrou ninguém por
perto.
A noite vinha vindo e Li Chan apressou o passo
feliz por voltar.