10 julho 2010

Seu Raimundo e a Bola


Seu Raimundo e a Bola
 
Ele era tarado por um joguinho de bola. em criança, lhe bastava uma meia cheia de terra, um terreno plano, e ia ele feliz, fazendo fintas a imaginários adversários.

 No emprego, um ouvido no rádio seguindo qualquer relato , um olho no trabalho, cuidando fazer o mínimo necessário, era amigo de todo mundo, mas diziam que em dia de copa ele não dava bola para ninguém,

 Em casa, a mulher reclamava de sua obsessão por tudo que era redondo e podia rolar. As laranjas, maçãs e até os novelos de do seu tricô não tinham sossego nos pés do  Raimundo.
Isto sem falar dos protestos dos filhos, principalmente do Mundinho, que achava que o pai não tinha mais idade para brincar aos domingos com a molecada, na rua.

E ele sorria, encolhia os ombros e, como que se desculpando, dizia que era coisa de nascença, de família, e lembrava o tio que jogara sinuca até o reumatismo o prender à cama. Esse, quase casara, mas a noiva deu de cismar quando lhe contaram que ele dormia com uma bola por travesseiro e um cobertor verde.

Tudo corria assim mais ou menos bem, quando lhe ofereceram um curso de computação na compra dum cortador de papel, uma máquina de imprimir e um computador antigo, em suaves prestações mensais.

E durante uns tempos aquele computador foi uma coisa que trouxe grande tranquilidade e harmonia à casa e à vida de todos.

Até que, como se diz na dialéctica, a quantidade muda a qualidade, Raimundo foi promovido, comprou um computador portátil, e passou a estar “ligado” as 24 horas do dia, e tendo acesso ilimitado a todos os canais de informação descobriu sua real vocação: divulgador das virtudes da Bola.

Entrou nessa tarefa de corpo inteiro, cheio de entusiasmo e , como se de uma missão se tratasse, não tardando a perceber quão vasto era o potencial daquele tema. E, literalmente falando, ele correu atrás da bola e percorreu o mundo.

Viu estádios, comparou equipes, decorou o nome de jogadores e árbitros. Sabia das dimensões dos campos, formato e histórias de traves, redes, bolas, apitos, até da grama verde ele sabia algumas coisas. 

Comprou livros sobre o assunto, e óculos de médio alcance com aros de tartaruga que lhe deram um ar entendido e lhe deram outro estatuo na vizinhança.

Seu Raimundo sentiu necessidade de falar, dividir todo este conhecimento, não ficando reduzido apenas à casa, ao café ou ao seu local de trabalho. Não que tivesse achado pequeno interesse da parte dos ouvintes, pelo contrário, todos lhe passaram a dar a maior atenção e respeitavam seus conhecimentos.

Foi convidado pelo patrão para a sua casa de campo, não uma, mas várias vezes.

Pode-se dizer que ele alargou o campo de sua vida. Tudo graças à bola. E com isso mais o seu entusiasmo crescia, redobrava.

Uma noite, quase madrugada, teve um sonho revelador:
- Deus criara o mundo na forma de uma bola e corria pelos céus jogando com um bando de arcanjos e querubins. O campo de nuvens mudava constantemente de figura, o que, com as vestimentas dos jogadores tornava o jogo imprevisível e cheio de quedas e empurrões. Numa dessas escorregadelas Deus irado chutou para fora do campo, tendo essa bola-mundo despencado por a baixo, caindo no Palácio do Governo quase atingindo o mastro da bandeira.
Acordando sobressaltado refletiu e maravilhou-se com o poder da mente humana, e de como eram possíveis grandes descobertas mesmo dormindo. Assim o mundo avança.

E porque não?, pensou alto. É mesmo que ela deve estar! Bem no meio de todo aquele campo verde, a flutuar ao som do Hino Nacional.

Decidiu então que seria deputado, senador, governador talvez.
Poderia assim cumprir sua missão, seria um membro do estado e não apenas uma peça sem valor. Sua voz seria ouvida e a sua opinião atingiria outros, levando, quiçá, a nação toda em peso a exigir essa sua proposta de modificação.

Sempre optimista e determinado, lançou-se nessa jornada tendo reunido vários adeptos em pouco tempo, Fez conferências, foi a grandes jantares e convívios por todos os cantos do país. Foram inúmeros as iniciativas e projetos que apadrinhou. Abriu concurso para um museu com tema e forma de bola rodeado de belos prados extensos. E, a exemplo do que havia em Portugal, fundou o jornal “A Bolaque também aqui rápidamente se tornou numa espécie de Biblia nacional, presente em todas as casas e lido nos transportes e no trabalho.
Contribuiu assim para o combate ao analfabetismo e à integração plurialista    na sociedade e, como é indispensável assinalar, ao desporto como um todo e em particular.

 Ouvi dizer à pouco que Raimundo tinha sido proposto para receber um prémio de benfeitor da humanidade, pela divulgação, desenvolvimento e interesse por este tema de indiscutível e mundial interesse.

Porém o que nunca conseguiu, foi concretizar aquele sonho lindo, e ver a a sua amada bola envolta em seda verde, flutuando ao vento, acompanhada pelo som do Hino Nacional.

Eugénia Tabosa
2010

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