O dragão tatuado no torso do trapezista, no balanço do salto
libertou-se, e voou para a loura acrobata, envolvendo-a em mitológico abraço.
Parlares
Se me falares te falarei, se me parlares te parlarei, se te calares não me calarei... Palavras alinhadas, alinhavadas, ora sérias ora tresloucadas
05 novembro 2011
MC-072 - O dia estava cinzento
O dia estava cinzento, chuvoso, nada bom para passear ou
gastar dinheiro nas lojas. Emília ligou o rádio e sentou-se a escrever
minicontos.
MC-071 – Ela era linda
Ela era linda, parecia saída dum quadro de Botticelli, impossível não demorar nosso olhar nela. Mas só à distância, pois sua boca fedia.
MC-070 – Bia
Bia sofria com seus dentes separados, nem sequer sorria. Num dia de temporal, o vento, entrou por essa fresta e levou-a pelos ares. Pois...
MC-069 - O Sr. Silva
O Sr. Silva, enquanto comia gostava de ler o jornal, erguendo-o como um muro protetor. E foi assim que, certo dia, não viu a mosca caindo na sua sopa.
10 outubro 2011
C-018 - Ponto de vista
Esta história aconteceu algures, há muitas centenas de anos, numa região
do interior da China.
O senhor Li Chan estava desgostoso com a sua
vida, monótona, sem perspectivas. 
Resolveu deixar a sua aldeia, a sua casa, o seu
jardim, a sua esposa e os seus filhos.
E assim fez.
Com um pequeno farnel, um cantil de água, e uma
manta apenas, partiu estrada fora. Foi andando, andando, até que deixou de
ouvir vozes e sons conhecidos, só tendo por companhia o ruído dos próprios
passos, 
Caminhava sem pressas e sem voltar o rosto para
trás.
A estrada acabava numa ponte, e a meio dela sentado
no chão estava um velho homem.
O senhor Li inclinou levemente a cabeça, e já ia
seguir sem se deter quando a voz do ancião o obrigou a parar:
–Rapaz, aonde vais tão apressado que nem me desejas
bom dia? Um dedo de prosa não se nega a ninguém, não achas?
–Desculpe "avozinho", eu ia a conversar
comigo mesmo... Mal dei pelo senhor.
Só vou a olhar em frente.
O velho sorriu e voltou a perguntar:
–E o que vês tu em frente, se estás a olhar para
dentro de ti, se vais a falar só contigo?
–Nada, na verdade ainda não vejo nada de diferente,
mas devem haver outras coisas que não a minha aldeia, e a minha estúpida vida! –
respondeu-lhe impaciente – Deixei tudo para trás e vou à procura de algo novo,
algo que me desperte novamente o desejo de viver. Irei andando até encontrar!
–Se quiseres eu mostro-te. 
O senhor Li, que já se preparava para retomar a sua
caminhada, parou e meio brusco e pergunta por sua vez: 
–Oh bom velho, o que poderá o senhor me mostrar se
o vejo aí sentado a meio duma ponte, e nem sei se vai de saída ou se está a
chegar?!
–Acredita em mim, vou mostrar-te. Faz exatamente o
que eu fizer, e depois me dirás se tenho ou não razão na novidade que então
verás.
Isto dizendo, o velho levantou-se com surpreendente
agilidade, e fazendo sinal ao outro para se livrar de seus magros carregos, postou-se
a seu lado, ambos de costas para a aldeia.
–Prepara-te. Cerra os olhos.Vamos respirar fundo e
depois nos curvar até o cabelo quase tocar o chão, deixando o rosto ficar preso
pelas orelhas entre nossas pernas. Sustem a respiração. Só quando sentires o
calor do sangue a iluminar tua mente poderás abrir os olhos e respirar. Então
verás!
Não querendo mais delongas e para se livrar da
conversa, Li resolveu não o contrariar e fingindo que acreditava fez tal qual o
outro mandara.
Se alguém por ali tivesse passado, o que não
aconteceu, certamente iria rir de tão insólito espetáculo. Dois homens, um
velho e um outro que nem os cabelos brancos ainda tinha, postados a meio de uma
ponte, dobrados sobre si mesmos, olhando por entre as pernas não para a frente
mas antes para trás, com os rostos vermelhos e os olhos quase a saltar.
O senhor Li, quando abriu os olhos, maravilhou-se
com as cores do céu, com os muitos verdes da vegetação que ladeava uma pequena
mas encantadora aldeia. Surpreendeu-se com o canto das aves, de que só se
lembrava ter ouvido na sua infância. E ouviu o regato que ia cantando de pedra
em pedra bem ali ao lado. 
Até que as lágrimas lhe correram rosto a cima, também
elas em sentido contrário. 
Não agüentando mais a respiração suspensa, endireitou-se
e sorvendo o ar deu meia volta procurando a visão que tanto o encantara. 
Viu então como era linda a sua aldeia, e lá ao
fundo a sua casa, e lá dentro a sua família, os tesouros da sua vida que
estivera prestes a abandonar.
Quis então agradecer ao sábio velho que lhe
ensinara a olhar a vida por outro ponto de vista, mas não encontrou ninguém por
perto. 
A noite vinha vindo e Li Chan apressou o passo
feliz por voltar.
23 setembro 2011
C-017 - A reunião e o esquilo
Um pequeno esquilo apareceu de
repente, 
saindo da minha caneta.
Ficou parado, de mãozinhas
e nariz no ar, 
silencioso e atento.
Comecei a imaginar o que poderia 
ele estar pensando:
– Não há avelãs nem maçãs por aqui?
  
Não vejo árvore nenhuma!
   E
a folha de papel ?
  
É branca por ser um campo de neve?
  
Ou por as ervas não terem nascido?
Tocou a sineta, a reunião terminara.
Juntei livros e cadernos, guardei
tudo na pasta.
Nem me perguntem que assuntos trataram.
Tudo o que ficou desse dia foi este
desenho.
13 fevereiro 2011
MC-068 – Cansada
Cansada de tantas
MC-067 – O sorriso velado
O sorriso  velado, sob 
o buço  inconfessavelmente casto  de Belmira, denuncia pensamentos 
não  tão 
castos .
MC-066 – Sob o buço
MC-065 – Pegou na tesoura
Pegou a
MC-064 – Pensamentos recorrentes
MC-063 –Atração fatal
MC-062 – À volta das uvas
À volta  das uvas ,
douradas abelhas  zumbem gulosas. Baco,
ouvindo tal , bate na fruta  e o líquido  salta  para  seus  lábios . Assim  nasceu o vinho 
MC-061 – Traçou um círculo
Traçou
MC-060 – Passou os braços
Passou-lhe os
31 outubro 2010
Dia de Saci : a história de "Alcides, o pequeno sapo"
| 
Era uma  | 
Aprendera este  truque  de olhar  dividido, com  um  primo  distante,  lá  de
Portugal, o Manezinho Camaleão . Ele 
viera passar  férias 
a este  lado 
do oceano , e tornaram-se grandes  amigos ,
ensinando um  ao outro 
as suas  habilidades .
Alcides maravilhava o
primo , que 
temia a água , com 
seus  longos 
mergulhos e saltos  de folha  em  folha . 
Foi então  que  viu
as ervas  e flores 
junto  dum lindo 
Ipê  Amarelo ,
a se movimentarem, parecendo até  que  andavam de roda . 
Está tudo  bem , pensou. E
recostou-se no seu  barco-folha,
saboreando um  inseto 
que  passara perto .
Alcides, já  consciente 
da importância  do "causo ", dirigiu a embarcação 
para  a margem 
e em  três 
saltos  atingiu uma moita 
de arbustos  próximo 
da roda  silvante.
Aproximou se um  pouco  mais , e de repente ,
sem  que 
pudesse saber  porquê ,
começou a ter  uma vontade 
louca  de rodopiar 
também .
E dançou, dançou, como  nenhum  sapo  antes  dançara.
Estava exausto , cheio 
de sede , reparou então 
que  a língua 
se lhe  enrolara no pescoço ,
como  se fora 
um  cachecol .
Felizmente , ainda 
havia alguma água  da chuva  da noite ,
depositada nas reentrâncias  da rocha . E mergulhou nesse banho 
benfazejo  e reparador .  
Lembrou-se da Mãe  Sapa  que  sempre  lhe  dissera para  nunca  se afastar  da água , e de como 
ela , a água ,
era  tão 
preciosa  e necessária .
E lembrou-se do Pai , o Pai  Sapo , que  sempre 
observava tudo  atentamente 
antes  de se aproximar ,
e se possível  camuflado entre  os verdes 
da vegetação , só 
com  os olhinhos de fora . 
E foi aí  que  viu uma
coisinha vermelha  se movendo de um  lado  para  o outro .
Parecia um  cogumelo , mas  isso  era  impossível ,
nunca  ouvira falar 
que  eles 
pudessem andar  por 
aí  a correr  pelos  campos .
Ah! Ali  havia coisa ! Oh  se havia!
Segurando um  cachimbo  e
saltitando numa perna  só , estava um 
negrinho rindo e agitando seu 
chapeuzinho no ar .
E Alcides nem  sabia se devia aproximar-se, ou 
correr  para  bem  longe  dali.
A curiosidade  venceu, e enchendo-se de coragem ,
cumprimentou aquele  ser 
endiabrado, mas  simpático .
– Como  vai. Festejando a Primavera ?
–"Eh ! eh ! eh ! 
   Não tens medo de mim?
   Eh! Eh! Eh!
   Sou o Saci Pererê, 
   Eh! Eh! Eh! 
  Tudo sabe e tudo vê!"
– "Quero ser seu
amigo, isto se o Senhor deixar", disse o pequeno sapo, já feliz com o rumo
da conversa.
– "Eh! eh! eh!”, respondeu Saci:
  "Quem é ruim 
   fuja de mim,
   quem é mau
   leva com pau,
   quem é tolo 
   leva com bolo,
   quem bem quer 
   pode me ver."
E isto dizendo,
mandou parar o vento, e tudo à sua volta se aquietou. 
Saci olhou dentro dos
grandes e admirados olhos do sapo. E gostou do que viu.
– “És um bom rapaz
   e isso me apraz 
   Um pouco curioso.
   e algo teimoso
   Tens bom coração
   serás meu irmão!”
E assim foi que
ficaram grandes amigos.
Saci convidou Alcides
para a festa que estava comemorando naquele dia com todas as plantas, as
flores, as árvores e mais os animais da redondeza, que deviam estar a chegar a
qualquer momento. Explicou-lhe como aquela era uma data importante, uma altura
em que tudo era ternura e travessura, algumas surpresas e muitas estranhezas,
mas todos amigos e divertidos, e terminou recomendando que todo ano se deveria
lembrar deste acontecimento.
O sapo ficou assim a
saber que, todo o dia 31 de Outubro, era dia de Saci.
Alcides prometeu
nunca esquecer, e depois de pensar um pouco na forma de comemorar, disse:
– “Pois meu bom
Senhor Saci, saiba que sempre o lembrarei, e mais, vou ensinar a todos os
sapos, rãs, salamandras e camaleões a assobiar e fazer remoinhos na água. Olhe,
me desculpe se não o abraço, mas é porque a minha pele está sempre viscosa e
úmida, e também esse seu cachimbo me faz tossir.
Adeus e obrigado pela
festa”
E isto dizendo,
saltou para o rio e desapareceu, deixando atrás de si círculos e mais círculos,
que se alargavam pela superfície da água até à margem, onde Saci os apanhou e
atirou ao ar.
Que lindo Arco Íris
se formou!
E Saci riu de
contente e dançou numa perna só, que até dava gosto ver.
Esta foi a história
do pequeno sapo Alcides, que encontrou o Saci na floresta à beira dum
rio. 
                                                           
***
Claro que Alcides
seguiu logo para a sua casa, no lago ali próximo. 
E foi uma falação,
disto e daquilo, de como tinha ficado amigo, e até dançado com seu Saci Pererê,
do gorro vermelho, das flores e do vento, da prosa que trocaram, e de como ele
haveria de escrever e contar esta aventura a seu primo Manezinho, e depois mais
tarde, muito mais tarde, também contaria esta aventura extraordinária aos seus
próprios filhos...
Os Pais sorriram
entre si, mas logo acrescentaram:
 –Sim,
sim, nós acreditamos que você esteve mesmo com o Saci, mas agora é hora de
dormir meu filho! 
E que sonhos ele teve
nessa noite cheia de estrelas e luar. 
Mas isso fica por
contar, pois os sonhos fogem ao acordar.
Eugénia Tabosa
31 de Outubro 2010
10 julho 2010
Seu Raimundo e a Bola
No
E ele  sorria, encolhia os ombros 
e, como  que 
se desculpando, dizia que  era  coisa  de nascença , de família ,
e lembrava o tio  que 
jogara sinuca  até 
o reumatismo  o prender 
à cama . Esse ,
quase  casara, mas 
a noiva  deu de cismar 
quando  lhe 
contaram que  ele 
dormia com  uma bola 
por  travesseiro 
e um  cobertor 
verde .
E durante  uns tempos 
aquele  computador 
foi uma coisa  que 
trouxe grande  tranquilidade e harmonia  à casa 
e à vida  de todos .
Entrou
nessa tarefa  de corpo 
inteiro , cheio 
de entusiasmo  e fé ,
como  se de uma missão 
se tratasse, não  tardando a perceber  quão  vasto  era  o potencial  daquele tema .
E, literalmente  falando, ele  correu atrás 
da bola  e percorreu o mundo . 
Viu estádios , comparou equipes ,
decorou o nome  de jogadores 
e árbitros . Sabia das dimensões  dos campos ,
formato  e histórias 
de traves , redes ,
bolas , apitos ,
até  da grama 
verde  ele 
sabia algumas coisas .  
Comprou
livros  sobre 
o assunto , e óculos 
de médio  alcance 
com  aros 
de tartaruga  que 
lhe  deram um 
ar  entendido 
e lhe  deram outro 
estatuo na vizinhança .
Foi convidado  pelo  patrão  para  a sua  casa  de campo , não  uma,
mas  várias vezes .
Pode-se
dizer  que  ele  alargou o campo 
de sua  vida .
Tudo  graças 
à bola . E com 
isso  mais 
o seu  entusiasmo 
crescia, redobrava.
Uma noite , quase  madrugada , teve um 
sonho  revelador: 
- Deus  criara o mundo 
na forma  de uma bola 
e corria pelos  céus 
jogando com  um 
bando  de arcanjos 
e querubins . O campo 
de nuvens  mudava constantemente 
de figura , o que ,
com  as vestimentas 
dos jogadores  tornava o jogo  imprevisível  e cheio  de quedas 
e empurrões. Numa dessas escorregadelas  Deus  irado chutou para  fora  do campo ,
tendo essa bola-mundo despencado por  aí  a baixo ,
caindo no Palácio  do Governo 
quase  atingindo o mastro 
da bandeira .
Acordando
sobressaltado  refletiu e maravilhou-se
com  o poder  da
mente  humana ,
e de como  eram possíveis 
grandes  descobertas 
mesmo  dormindo. Assim 
o mundo  avança .
E porque 
não ?, pensou alto . É aí  mesmo  que  ela  deve estar ! Bem  no meio  de todo  aquele  campo  verde , a flutuar  ao som  do Hino  Nacional .
Decidiu
então  que 
seria deputado , senador ,
governador  talvez .
Contribuiu
assim  para  o combate  ao analfabetismo e à integração 
plurialista    na sociedade 
e, como  é indispensável 
assinalar , ao desporto 
como  um 
todo  e em 
particular . 
 Ouvi dizer  à pouco  que  Raimundo
tinha  sido proposto para 
receber  um 
prémio de benfeitor  da humanidade , pela 
divulgação , desenvolvimento 
e interesse  por 
este  tema 
de indiscutível  e mundial interesse . 
Eugénia
Tabosa
2010
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